Destaques Cosmomânticos 2024

Meus nacionais contemporâneos favoritos do ano passado

Como forma de celebrar a virada do ano, resolvi usar essa edição do Chazinho Cosmomântico para elogiar alguns dos livros e autores nacionais contemporâneos que li em 2024. Por diversão, resolvi fazer esse quadro seguindo a lógica de um prêmio literário e separei os Destaques Cosmomânticos de 2024 em três categorias: autores, obras curtas e obra longa. Vamos às indicações?

Autores

MJ Luna

Fazia um bom tempo que eu tinha vontade de ler o trabalho de MJ Luna, mas como só tinha no Wattpad e eu ainda não me acostumei a ler na plataforma (sou uma millennial idosa), ficava postergando. Em maio do ano passado, MJ Luna estreou na Amazon com a obra Morte Vetada, uma novela que mistura fantasia sombria com distopia. A continuação, Morte Lograda, saiu em setembro, apenas alguns meses depois, e em novembro ainda saiu um conto erótico chamado Através de Olhos Escarlates. Só essa capacidade de publicar tantos trabalhos de qualidade em um único ano já me impressionou, mas eu quero falar em mais detalhes sobre os mortes, meus trabalhos favoritos de MJ Luna este ano.

Capa de Morte Vetada, de MJ Luna. Mostra um prédio em uma noite escura e chuvosa. À frente dele há um homem que está caindo.

Morte Vetada de MJ Luna

Os mortes seguem a história de Thiago, um humano que mora em uma espécie de fazenda de sangue para vampiros. Sua família foi executada pelo dono da fazenda por motivos políticos e como único sobrevivente, seu único desejo é se juntar a eles. Porém Ettore, o filho do dono, é obcecado por Thiago e não pretende deixar. A partir daí se desenvolve um enemies to lovers permeado de questionamentos éticos, o maior dos quais pode ser resumido na pergunta: “E se existisse uma espécie que tratasse os humanos com o mesmo utilitarismo com o qual tratamos os outros seres vivos?”.

Capa de Morte Lograda, de MJ Luna. Mostra um cenário urbano iluminado pela luz do sol nascente. As silhuetas de três homens se destacam no topo de um dos prédios. Dois dos homens estão sentados juntos enquanto o terceiro observa um pouco mais afastado.

Morte Lograda, de MJ Luna

Eu acredito que hoje em dia existem dois tipos de abordagens para vampiros na ficção. Uma, mais típica do gênero terror, trata os vampiros como monstros, o vampirismo como uma maldição. A outra, mais típica da fantasia, trata os vampiros uma raça mágica, malvista pelos humanos mas não essencialmente má. Vou confessar uma coisa agora. Eu não sou fã do segundo tipo de abordagem, porém, acho que MJ Luna conseguiu fazer algo muito interessante com ela. A construção dos vampiros como apenas uma outra espécie é fundamental para a crítica em torno da qual o livro gira. Não há nada mais satisfatório para mim do que quando um autor produz uma obra interessante a partir de elementos que eu geralmente não curto, por isso MJ Luna está entre meus autores destaque de 2024.

Wilson Júnior

Conheci o Wilson Júnior pelo Coletivo Escambau, uma iniciativa voltada para a formação em escrita criativa e publicação de literatura independente com proposta decolonial. Este ano eu acabei lendo seus dois romances publicados, 999 e Trama Ancestral, e favoritei os dois!

Fotografia do livro 999. A capa mostra uma ilustração em preto e branco de homens carregando uma cruz vermelha até um forte à beira do mar. O título também está em vermelho.

999, de Wilson Júnior

O livro de estreia do Wilson, 999, é uma ficção histórica voltada para um público mais adulto. A história toda se passa em um forte na virada do ano 999 para o ano 1000. O senhor do forte está velho e seu herdeiro mais competente precisa viajar para a capital. Desta forma, o trabalho de manter o lugar de pé fica para Sebastião, um mouro convertido que adquiriu o posto de capitão da guarda. Esse trabalho é atrapalhado por uma série de desgraças, incluindo uma peste, uma invasão estrangeira e um padre que está absolutamente convencido de que o mundo está para acabar.

Capa de Trama Ancestral, de Wilson Júnior. Mostra um homem negro emaranhado em teias de aranha.

Trama Ancestral, de Wilson Júnior

Trama Ancestral, por outro lado, é uma fantasia escrita para um público jovem adulto. Acompanha Ekundayo, um homem negro que acorda em uma praia sem nenhuma lembrança de quem é ou como foi parar ali, mas com marcas no corpo indicando ter escapado recentemente da escravidão. Ao se embrenhar pela floresta para fugir dos brancos, ele acaba se encontrando com a entidade Anansi, que oferece restaurar sua memória se ele libertar o povo escravizado detido em um assentamento próximo.

Ambas as narrativas têm um ritmo frenético que faz com que você não queira mais largar o livro depois de pegar para ler. Pelo menos, essa foi a minha experiência. Via de regra, eu sou uma pessoa que lê devagar. Às vezes eu até interrompo do nada livros de histórias que eu tô até gostando porque, sei lá, o meu cérebro se distraiu com outra coisa. Por isso sempre me chama atenção quando um livro me prende tanto que eu leio tudo de uma vez. Fazer isso com dois livros é uma proeza ainda maior. Por isso o Wilson Júnior é o meu segundo autor destaque de 2024.

OBS: Além de estarem disponíveis no Kindle, ambos esses livros também podem ser adquiridos em formato físico com o autor.

Obras curtas

Bem Mal Me Quer

Capa de Bem Mal Me Quer, de H. Pueyo. Ilustrada por uma mulher de terno que está de joelhos diante de uma criatura monstruosa. A mulher está vendada e tem uma expressão adoradora. A criatura esnão aparece por completo na capa, só se vê uma mão pálida de dedos longos cobertos por vários anéis e uma longa língua azul.

Bem Mal Me Quer, de H. Pueyo

Bem Mal Me Quer conta a história de Dália, a recém-contratada guarda-chaves da Casa Caprichosa. A dona da casa, Anatema, uma gigantesca criatura aracnídea, devorou a guarda-chaves anterior por suspeitar que roubou algo dela. O verdadeiro ladrão, entretanto, ainda está a solta, e Dália precisa descobrir quem ele é antes que encontre o mesmo destino de sua predecessora.

Esta foi uma obra que se destacou para mim por causa da prosa. H. Pueyo conseguiu uma coisa que pouca gente consegue, que é escrever uma prosa com evidente influência gótica mas que é, ao mesmo tempo, moderna. Eu vou colocar o começo aqui para vocês verem o que eu quero dizer.

“A antiga guarda-chaves morreu no início da manhã, mas ninguém ouviu nada; nem o grito afônico, nem os ossos moídos, nem as chaves de metal que caíram no piso, tinindo. Na verdade, só souberam que ela estava morta porque um bilhete chegou ao segundo andar no elevador vazio:

CONTRATE UMA NOVA GUARDA-CHAVES; URGENTE; ANTES DO FIM DO DIA.

A faxineira que encontrou a carta datilografada — a dona da casa não conseguia empunhar uma caneta, mas seus dedos compridos se acomodavam bem às teclas da máquina de escrever — quase desfaleceu. Pedir um novo empregado era o mesmo que redigir um atestado de óbito. Todos sabiam disso”.

H. Pueyo, Bem Mal Me Quer

Fala sério, eu quero cortar essa prosa em pequenos pedacinhos e degustar como filé mignon.

Desgraçado

Capa de Desgraçado, de Ayrton Silva. Mostra um homem de terno coberto de sangue de pé em um beco, diante de um cadáver.

Desgraçado, de Ayrton Silva

Desgraçado talvez seja O Meu Livro Favorito do Ano. Conta a história de Vaz, um banqueiro muito bom em desenvolver formas de tirar dinheiro dos outros. Na verdade, ele é tão bom no seu trabalho que isso virou um problema. O chefe dele quer matá-lo para roubar os créditos de sua mais nova ideia. Para escapar da morte, Vaz faz um pacto com uma entidade do caos, que o manda em uma missão que vai acabar fazendo com que ele perceba o quanto ele prejudicou outras pessoas no exercício de sua profissão.

Essa é uma obra que eu acho que não consigo dar apenas um motivo para explicar por que ela me conquistou. Foi um livro que me agradou em diversas frentes: o ritmo me prendeu, a construção de mundo é inusitada e interessante, é recheada de bom humor, os diálogos são ótimos e tem críticas claras ao capitalismo. Um fator que talvez se destaque mais é que ele foi um livro que fez eu me sentir bem. Não sei, eu acho que tem algo muito esperançoso sobre como o livro termina que aqueceu o meu coraçãozinho.

Obra longa

A Ruína de Noltora

Capa de Máscaras para os Mortos, de M.P. Neves. O livro está sinalizado como A Ruína de Noltora 1. Mostra um gigante vestindo uma máscara dourada monstruosa de frente para uma jovem de cabelos ruivos, ambos segurando espadas em posição de batalha.

Máscaras para os Mortos, de M.P. Neves

Eu já suspeitava que amaria essa trilogia só pela capa e sinopse do primeiro livro. Horror e fantasia grimdark são os meus gêneros de conforto e A Ruína de Noltora é um coquetel maravilhoso dos dois. E o que é ainda melhor, 100% livre dos clichês machistas que infelizmente costumam aparecer muito nesses gêneros. A trilogia, que já tem seus três volumes publicados, começa com Máscaras para os Mortos, seguido por Asas sob o Abismo (sim, é sob mesmo, e tem um motivo para isso), e finaliza com Nêmeses na Necrópole.

Capa de Asas sob o Abismo, de M. P. Neves. Mostra uma cidade em chamas na frente da qual se destacam duas figuras. A primeira é um gigante com uma máscara dourada monstruosa. A segunda, uma jovem ruiva com roupas de bárbara erguendo um estandarte de guerra. O rosto dela é parcialmente cadavérico.

Asas sob o Abismo, de M. P. Neves

A trilogia centrada em dois personagens. De um lado temos Hakim, um homem que ocupa o lugar de Deus-rei de uma nação imperialista com muitos inimigos. Do outro, Moira, uma adolescente que perde sua família em um ataque ordenado por Hakim. Enquanto Hakim luta para defender o império de ameaças vindas de todos os lados, Moira prepara a sua vingança.

Capa de Nêmeses na Necrópole, de M. P. Neves. Mostra uma criatura esquelética segurando uma foice, parada na frente de uma pirâmide negra.

Nêmeses na Necrópole, de M. P. Neves

Uma coisa que eu gostei muito é que o M. P. Neves não escolheu o caminho óbvio de escrever um romance entre a Moira e o Hakim. Algo de que sinto muita falta na ficção é de dinâmicas de personagem entre homens e mulheres que sejam profundas e multifacetadas sem serem necessariamente românticas, então fiquei muito feliz que A Ruína de Noltora me entregou isso.

O verdadeiro motivo pelo qual A Ruína de Noltora está aqui, no entanto, é por causa de um personagem chamado Sev, um ladrão de túmulos que roubou o meu coração. Em vez de tentar explicar por que eu adoro esse velho trambiqueiro, vou mostrar para vocês a primeira frase de Máscaras para os Mortos.

“Era um mau começo, Sev percebeu, porque precisou matar o mesmo homem duas vezes”.

M.P. Neves, Máscaras para os Mortos

Como não ser imediatamente conquistada por esse POV debochado?

Enfim chegamos ao final da minha listinha de destaques de 2024. Eu demorei para escrever esse post, mas foi porque eu queria dar o meu melhor para expressar os motivos de eu ter gostado tanto de cada um desses livros. Com sorte, terei convencido você a dar uma chance a alguns desses em 2025 😉✨